O tempo não passa.
Ele permanece.
Sentado à beira da minha cama,
com os olhos de quem já viu tudo
e ainda assim espera.
Não me engano mais com o ruído dos ponteiros —
o que envelhece não é o corpo,
é o silêncio entre os gestos,
a lentidão com que se dobra um pensamento
antes de pronunciá-lo em voz alta.
Já fui poeta de palavras novas,
agora sou lavrador de entrelinhas.
Cavo o sentido com unhas gastas,
plantando metáforas onde um dia
houve pressa.
Há beleza, sim, nas coisas gastas:
na xícara lascada que ainda serve café,
na carta amarelada que não foi enviada,
na lembrança que já não dói,
mas se senta comigo
e partilha o pão.
Não escrevo para explicar,
escrevo para resistir.
Cada verso é um modo de dizer:
“ainda estou aqui”,
mesmo que ninguém escute.
E sigo.
Não por coragem —
mas porque parar
seria negar o dom secreto
dos que aprenderam
que até a pedra,
com o tempo,
se torna poema.