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Eduardo Nagai
O Seu Guia Literário
Textos

FAÍSCAS QUE NUNCA SE APAGAM

 

Dizem que Heráclito murmurava enigmas à beira do fogo, como se cada labareda revelasse um pedaço da alma do mundo. Entre suas brasas, deixou uma sentença que me assombra mais do que os sinos de fim de aula: ensinar é acender uma chama, não preencher um vaso. E eu, que há anos me debato entre quadros brancos e olhares vazios, começo a desconfiar que muitos de nós andamos mais colecionando vasos do que cultivando fogueiras.

 

Em minhas manhãs de segunda-feira, sou o guardião de fósforos ávidos por acender centelhas que insistem em não querer arder. Olho pela sala e vejo rostos acomodados, como se já estivessem aquecidos por um calor que nunca cheguei a oferecer. Pergunto-me se, no fundo, não desejam que o lume venha pronto, para apenas ajeitá-lo sobre a mesa de pedra e fingir que aprendi algo.

 

Recordo, então, de uma aluna de cabelos soltos como veios de bronze: ela chegou tímida, mas com um brilho nos olhos que deixava escapar faíscas de curiosidade. Foi com ela que percebi que o verbo acender é verbo de ação compartilhada — eu oferecia o estalo, e ela soprava o vento. Juntos, eu e ela, criamos um fogo que aquecia não só o corpo das ideias, mas o coração das palavras.

 

Mas há quem prefira o silêncio dos vasos cheios. Fecham-se em copas perfeitamente vacina­­das, ambicionando cada gota de ensinamento fora de hora, cada fragmento de conhecimento envasado sem calor. Não entendem que o saber não se empilha como cerâmica na prateleira, mas dança como brasas soltas, prontas para tocar outras mãos e saltar em novas chamas.

 

Assim, compreendi que meu ofício não seria de fornecedor infalível, mas de alquimista das pequenas luzes. Em vez de sofismar definições, passei a semear perguntas capazes de acender tanto duvidas quanto certezas — pois sem essa combustão, nada queime por dentro e logo se apague. E é no estalo dessas mortes e renascimentos que reside o pulsar vivo do aprendizado.

 

Hoje, quando entro em uma sala de aula, não me pergunto mais quantos vasos poderei encher, mas quantas fagulhas posso espalhar. Carrego comigo um maço de fósforos, mas também o desejo de quem deseja aprender — porque ensinar e aprender, descobri, são faíscas irmãs que se inflamam em conjunto.

No fim das contas, sou apenas um acendedor de estrelas. E cada olhar despertado, cada sorriso de quem finalmente desnuda o mistério diante de si, confirma que ensinar é, antes de tudo, confiar no vento que soprará o fogo adiante. Porque, na grande fogueira do mundo, não há vaso que se sustente — só corações ardentes.

Prof Eduardo Nagai
Enviado por Prof Eduardo Nagai em 10/06/2025
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